
Findo o lanche de chá com scones e sanduíches variados, tomado no belíssimo salão da Liga de Mulheres Caridosas da Lapa, a Sra. D. Teresinha Teixeira Villas-Boas despede-se das quiduchas companheiras de caridade, e sai à rua, muito bem penteada, extremamente apertada no seu tailleur assinado por um dos mais conceituados designers, carregadinha de jóias e casaco de vison pelos ombros. Vai algo aborrecida consigo mesma. Reconhece que abusou nos scones. Que enfado.. é sempre tão difícil resistir às delicias presentes nestas reuniões.
Pára frente a uma montra e é abordada por um mendigo todo maltrapilho.
- Minha senhora, dá-me uma esmolinha ?
- Não dou esmolas. Isso seria ser conivente com a mendicidade e eu ficaria de mal com a minha consciência !
- Minha senhora, durmo na rua, passo frio.. você tem tanto. Até tem esse casaco de peles..
- Este casaco é de vison. Pele genuína, algo condenável. Foi uma prenda do meu marido, mas não o quero. Para estar de bem com a minha consciência, vou agora mesmo desfazer-me dele !
- Oh minha Senhora, não o deite fora ! Dê-mo ! Dá um rico cobertor..
- Nem pensar. Isso seria mostrar que estou de acordo com a morte de animais para vestir a vaidade dos humanos !
- Senhora, você deve ter tanto. Olha essas jóias todas. Tantos anéis… esse aí com as pedras brilhantes dava para eu me sustentar durante meses.
- Pois. Meras bugigangas sem qualquer valor moral. Se eu lhe desse este anel, ficaria de mal com a minha consciência, pois estaria a fomentar a sua ociosidade !
- Vá lá minha senhora dê-me uma ajudinha….. tenho tanta fome. Há 3 dias que não como nada..
A mulher olha o mendigo de alto a baixo : vê aquele homem incrivelmente magro, e algo mexe dentro de si.. sente algo que há muito não sentia.
Solta um enorme suspiro..
- Olhe vê: Eis algo que você tem e eu não possuo.
O Mendigo, meio aparvalhado, mas com uma réstia de esperança, pergunta:
- O quê, minha Senhora ?
- Força de vontade, homem ! Força de vontade.
E segue o seu caminho, sem dar a esmola ao pobre.
......
1ª Moral da história: A vontade de agir BEM e a vontade de fazer o BEM tem de vir de dentro de cada um. Nenhum argumento conseguirá convencer quem à partida não quer ser convencido.
2ª Moral da historia: Mais depressa passará um camelo pelo cu duma agulha que o rico passará as portas do Céu.
3ª Moral da história : Por mais bens que possuas, haverá sempre alguém, algures, que tem algo que tu muito desejas e não tens, e inevitavelmente vais sentir inveja. (no caso da senhora rica desta história ela gostaria muito de possuir a “elegância” involuntária do pobre mendigo. )
4ª Moral da história : Um mau carácter de raiz vai sempre arranjar desculpas que justifiquem a sua falta de princípios.

Pedaços..
Tive bocados de tempo
Roubados ao tempo maior.
Fragmentos de alguns momentos,
De pausas do que decorre.
Às vezes bocados de tempo pedidas,
Farripas de tempo às vezes negadas.
Tive silencios de quem pune
Pedidos de mais momentos.
Longas ausencias sentidas
Por quem só queria uns bocados
Que tivessem sido dados
Sem terem sido pedidos.
Este tempo que eu não tive
Vou guardá-lo a sete chaves,
Junto das recordações.
É meu o tempo pedido,
É meu o tempo negado.
E teu, o desperdiçado.